O Paradoxo da Compaixão
Independente de tudo o que o Doutor já viveu em suas muitas vidas, sempre há um momento tão decisivo quanto o da regeneração. Um instante em que ele é testado por uma escolha irresistível, capaz de salvar várias vidas e, ao mesmo tempo, criar inúmeros problemas na linha do tempo. É esse tipo de dilema ético que o Senhor do Tempo precisa enfrentar em The Magician's Apprentice e The Witch's Familiar, episódios que marcam o início de uma das melhores temporadas da Era Moderna de Doctor Who.
Indo por um caminho não linear, o roteiro de Steven Moffat coloca o 12º Doutor em uma situação que tinha tudo para ser “normal”, se é que isso existe para ele. O cenário parece impossível: um planeta em guerra, uma criança em perigo e nenhuma saída aparente. Como era de se esperar, seu salvador é um viajante do tempo cheio de piadas sem sentido, que oferece ajuda jogando uma chave de fenda sônica na direção da criança. Antes que o problema se resolva, o Doutor descobre o nome dela: Davros, o futuro criador dos Daleks.
Antes do desfecho desse pequeno prólogo, vemos Clara Oswald de volta à escola de Coal Hill. É um dia normal de aula, com referências e curiosidades sobre Jane Austen, até que uma estranha mudança nos céus sequestra sua atenção. Nesse ponto, é difícil não se envolver com o caminho que leva a companion ao reencontro com Missy, ainda mais divertida e vilanesca do que na última vez em que apareceu no finale da oitava temporada.
Depois que a dupla finalmente encontra o Doutor, a história se transforma em uma exploração pelo planeta Skaro, com um intenso jogo de gato e rato entre o Senhor do Tempo e Davros. Há também uma cena memorável em que o protagonista senta na cadeira de Davros, um momento que provavelmente materializou o pior pesadelo dos Daleks e que se tornou um verdadeiro presente para os whovians.
Uma das cerejas do bolo é a referência que o arqui-inimigo do Doutor faz ao primeiro encontro deles em Genesis of the Daleks (1975), episódio no qual um dilema parecido já havia sido apresentado. Isso mostra como o conflito ganha nova forma: o Senhor do Tempo se vê novamente diante de uma situação que o obriga a revisitar suas próprias convicções. Em face de alguém que representa o oposto de tudo em que acredita, o Doutor questiona se a compaixão continua sendo sua maior força ou se, em certos contextos, pode se tornar uma fraqueza. Nesse sentido, o diálogo entre os dois ultrapassa a ideia tradicional de herói e vilão, transformando-se em uma reflexão sobre culpa, redenção e a natureza da bondade em um universo que raramente oferece respostas simples.
Dividida em dois episódios, essa história mostra que até mesmo quem fez escolhas erradas pode encontrar o início de um caminho de redenção, como é o caso de Missy. No fim das contas, a compaixão se revela a chave para fazer a coisa certa, mesmo quando o caminho até essa conclusão é tudo menos fácil.




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